Quem nasceu nos anos 80 lembrará da My Model. Uma bisonha boneca que era composta somente por uma enorme cabeça, com longas madeixas loiras, fixada em uma plataforma. A brincadeira residia em passar uma esponja com água morna cara da coitada e ver seu rosto colorir-se.
Como pedir, diante desse tipo de diversão, que as meninas não queiram colorir a si próprias? Mais tarde, como pedir que resistam à tamanha influência e não queiram platinar os próprios cabelos? Mas voltando ao ímpeto infantil, torna-se impossível uma garotinha não se apaixonar pela arte da pintura. Se a boneca e a mãe dela podem, ela também pode.
Ana Carolina era uma dessas crianças que nasceram com a vaidade à flor da pele. Gostava de penteados e meias cor-de-rosa para ir à escola. A tia, que gostava de mimar a única sobrinha, deu-lhe de presente um kit de maquiagem infantil. Ela não sabia, mas um monstro havia despertado.
O tal kit tinha um mini-batom pink, mini-sombras azul e ver, mini-blush rosa. Tudo mini para quem é mini. Durante uma semana Ana Carolina passava o arsenal no rosto antes de ir à escola.
A mãe, que achava que a filha exagerava e estava mais parecida com o palhaço Arrelia do que com a My Model, advertia: “Ana, lava esse rosto. Colégio não é lugar de fantasia. Ainda mais uma escola de freiras!”. Mas não adiantava.
Porém, o limite havia sido extrapolado. A maquiagem havia virado uma obsessão e a mãe profetizou: “Se um dia você for barrada pela freira no portão de entrada, você vai apanhar na frente de todo mundo, entendeu?”. A menina não deu bola. Nunca havia sido barrada, por que seria agora?
A ignorância dos inocentes. Quando foi deixar Ana na escola, a mãe chamou a freira que controlava a entrada dos alunos de lado.
- A sra está vendo aquela menina da primeira série? Pois bem, como a sra pode ver, ela está exagerando na maquiagem. Por favor, amanhã quando ela chegar, não a deixe entrar. A sra pode barrar?
A freirinha sorriu. Aceitou o plano da mãe cuidadosa.
Claro que Ana não poupou o batom pink. Novamente, cobriu-se de cores e colocou o uniforme. Freira que é freira não mente.
- Ei, mocinha, onde vai com esse rosto pintado? disse segurando-a pelo colarinho da camiseta.
A mãe observava tudo do portão. A menina gelou. Engoliu seco enquanto seus olhos umedeceram rapidamente. Armava o choro. Sabia que a mãe era brava e, como a freira, cumpria o que prometia. Ia levar uns tapas na frente de todos os colegas. Sua parca vida social estava com os segundos contados. Quem ia querer trocar figurinha e de estojo com uma pirralha que apanha da mãe na porta do colégio? Como ia sentar-se no banco dos populares durante o recreio depois de incrível vexame?
- Vai lavar esse rosto imediatamente! E não quero mais ver você de maquiagem, ouviu?
A essa altura Ana aceitava qualquer coisa que a freira dissesse. Correu para o banheiro antes que as garras da mãe pousassem sobre ela. Não, a mãe não ia bater nela. Simplesmente deliciou-se com o susto que a filha levou.
A lição foi aprendida. Ana não quis mais saber de maquiagem até os 17, quando finalmente platinou os cabelos.