quinta-feira, 26 de março de 2009

Saga da incontinência

Trânsito. Quem vive em São Paulo, normalmente, sai com duas horas de antecedência de casa quando precisa cruzar a cidade para um compromisso. Isso sem uma gota de água caindo do céu. Em caso de chuva, o problema triplica e o tempo desperdiçado ao volante cresce proporcionalmente.

Cláudia, uma dentista precavida, como boa paulista, calculava o tempo necessário para chegar ao consultório da fisioterapeuta. E profissionais da saúde são assim: nunca confiam em um colega e quando não têm saída, querem o melhor de todos. Pois a melhor fisioterapeuta de todas ficava há 32 km de sua casa. O que representa uma hora e 25 minutos no período da tarde. Cláudia fazia fisioterapia frequentemente por culpa de dores nas costas intermináveis, seguidas de cirurgia, remédios...

Era mais um dia de tratamento e Cláudia entrou em seu carro popular, sem ar condicionado, sob os 32 graus que fritavam o asfalto e seguiu rumo ao seu kharma. Como sempre escolheu o CD da Norah Jones para encarar o tráfego.

Quando estava no meio do caminho, o dia começou a nublar. “Aí, São Pedro, segura essa chuva se não eu vou perder a consulta e minhas costas estão me matando”, pensava ela intermitentemente. Mas parece que São Pedro não quis ajudar. Mandou ver em raios e trovões e fez desabar uma tempestade de verão.

Instantaneamente, o trânsito travou. Parece que as pessoas perdem a parca capacidade de dirigir ao primeiro sinal de umidade no ar. Com a chuva torrencial, um exército de Misters Magoos tomam a frente dos volantes e o caos se instaura.

Pronto. Chegaria atrasada à consulta. Sacou o celular, avisou a secretária da fisioterapeuta e aumentou a Norah Jones. Mas aquela água, aquele barulho de chuva, o calor escaldante, a posição... Cláudia começou a sentir vontade de ir ao banheiro. Parece que quando pensamos em ir ao banheiro, mais difícil fica segurar o xixi. Cérebro maldito. Ela só conseguia pensar em um vaso sanitário.E o trânsito parado. Uma hora e meia sentada e o consultório parecia cada vez mais longe.

Depois de duas horas e 25 minutos conseguiu chega ao prédio comercial em que a fisioterapeuta atendia. Correndo, mas sem dar passos longos demais, Cláudia achou que estava com sorte. Apesar de sentir que não ia mais conseguir segurar, que sua bexiga ia explodir em segundos, ficou feliz de ver só um motoboy à sua frente na hora de preencher a fixa, tirar a foto e pegar o crachá na portaria.

Finalmente o elevador. Ela e o motoboy, rumo ao mesmo 15º andar. Ela só queria saber do banheiro, do vaso, de aliviar aquele incômodo absurdo.

Mas a chuva continuava a cair lá fora. E o que mais a chuva causa, além do trânsito? É. Causa queda de energia. O elevador parou. “Vai ser só uma quedinha de luz, volta logo”, consolava-se Cláudia enquanto se contorcia. Não dava mais, 25 minutos presos era tortura com a pobre bexiga que estava no limite de sua capacidade de armazenamento. Num rompante de auto-preservação, abordou o motoboy:

- Sei que você vai achar estranho. Mas estou há mais de duas horas presa em um carro, louca para ir ao banheiro e vou morrer se não fizer xixi agora.
- Anh?
- Morrer.
- O que a senhora pretende fazer?
- Tenho uma sacolinha de plástico na bolsa onde guardei uma maçã. Bom, dane-se a maçã. Tenho essa sacola. Pretendo fazer xixi nela enquanto você ficará de costas.

Silêncio.

Ele era um bom moço, afinal. Virou-se de costas, colocou o capacete na câmera, com medo de Cláudia ser flagrada pelo equipamento de segurança. Delicado, no mínimo. Ela, finalmente, aliviou-se. Não importava o quão ridículo poderia parecer aquela situação, o problema estava sanado e guardado dentro daquela sacolinha fuleira de supermercado.

O problema das sacolas é justamente a baixa qualidade. Podemos até usá-las como lixo, mas sempre há o risco de um caroço de melancia fugir. E a sacola de Cláudia tinha um desses furinhos marotos, que a olho nu quase não aparecem, porém são uma boa rota de fuga para líquidos, como o xixi, por exemplo.

E a sacola pingava. A sensação de alívio foi substituída pelo constrangimento. Não bastava ter abaixado as calças em um elevador com um motoboy dentro. A sacola tinha que pingar! Pingou tanto que esvaziou e encharcou o carpete do chão do elevador. O moço não disse nada. Estava com galochas e tentava convencer Cláudia de que isso poderia acontecer com qualquer um.

Enfim, a porta foi aberta pela equipe de bombeiros. Ela saiu rapidamente e quis retribuir a gentileza do colega de suplício, antes que suspeitassem dele.

- Atenção! Fui eu que fiz esse xixi no chão, deixem o moço em paz.

E correu pelas escadas até o 15º. Foi sua última consulta. Deu-se alta por 6 meses e quando voltou a sentir dores animalescas, arrumou uma fisioterapeuta no mesmo bairro em que mora.

3 comentários:

  1. Absolutamente incrível... Ri sozinho durante minutos... sentindo-me um idiota. Nada como uma boa história e uma 'excelente contadora'...
    Sabe que estará nos meus blogs favoritos, não????
    Beijocas

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  2. Bem-vinda de volta, Jéssica. Longa vida ao novo Mordida. Estamos na torcida.

    E, é claro, estamos na torcida para não termos a sorte do motoboy.

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  3. Fazia muito tempo que não ria igual a uma perfeita idiota por mais de três minutos. Obrigada, Jeh.

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